Não faltam concorrentes, quer seja para uma aventura sazonal, quer para coisa mais séria. ele, jovem tímido, encanta-se por tão rara beleza nestas paragens. Depois de umas trocas de olhares furtivos e cúmplices, ele declara-lhe a sua paixão. Ela aceita. Mas com mil cuidados! É que o pai dela é muito severo, e por isso é preciso ter muita cautela com o namorico! Entretanto as férias terminaram.
Ela volta com os pais para o país que a viu crescer e onde estudou. Trocam cartas de amor. Ridículas. "Todas as cartas de amor são ridículas. /Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas". Era assim. Não havia telemóveis. Nem computadores com Internet. Sim, já havia telefones, mas telefonar era caro, sobretudo quando estamos tão distantes: um na ilha das Flores, Açores, e o outro (a), no Canadá. Assim, só o faziam de quando em vez. As cartas demoravam um mês a chegar, com as tais mensagens de amor eterno, e eram aguardadas com ansiedade. Como cheiravam bem aquelas folhas de papel com o perfume dela! E as fotografias que lhe mandava, lá da terra do frio, eram adoradas. Beijadas com mais paixão do que os crentes beijam as suas imagens adoradas! Mas, já estamos a filosofar de mais.
Vamos fazer regressar essa jovem encantadora a Portugal. Como muitos dos nossos emigrantes na diáspora, ela regressa com a família à terra que a viu nascer. Foi certamente difícil a sua adaptação! Uma terra pequena onde toda a gente se conhece e sabe da vida de toda a gente, não é fácil! Entretanto, continuam o namoro, agora ainda mais abrasador. Ele tem de pedi-la em casamento, para poder namorar com ela. Foi exigência do pai dela. Não vá ele abusar da filha e depois abandoná-la. Não, isso é que não. Porque, numa terra pequena, fica-se marcado, marcada. Ele aceita a exigência, porque está perdidamente apaixonado por ela. Regressado do serviço militar obrigatório em Agosto, casam-se pelo civil nesse mesmo mês, e daí a dois meses pela Igreja (católica). Ele, com a especialidade militar de condutor, inicia outra profissão numa base militar francesa ali existente na altura. Assinava contratos de trabalho periódicos, não lhe oferecendo grandes perspectivas de futuro. Chega ainda a trabalhar também para uma empresa do continente ali representada, que se encarregou da primeira vedação do aeroporto da ilha das Flores, trabalho precário.
Entretanto, abre-se um concurso para bombeiro profissional de aeroporto, para este mesmo aeroporto. São mais os candidatos que as candidaturas. Os requisitos já são exigentes para a época.
Apesar de ter apenas a quarta-classe do ensino primário na altura, Francisco consegue passar nas provas de selecção. Depois, é submetido a um Curso Profissional de Bombeiro de Aeroporto, com a duração de três meses e atinge os objectivos no final do mesmo. Começa aqui uma longa carreira profissional e ao mesmo tempo uma odisseia... Depois deste primeiro curso, faz vários outros, quer no aeroporto das Flores quer em Lisboa. Depois disso, é convidado a desempenhar funções de chefia de equipas na sua profissão.
Pelo meio disto, reinicia os seus estudos. Trabalha de dia e estuda à noite. Entretanto, compra um táxi, com o qual trabalha nas horas extra profissão. Ou seja, tem três profissões ao mesmo tempo: é bombeiro profissional de aeroporto, é taxista e é estudante. O esforço vale a pena! Concluiu o antigo 9º. ano de escolaridade. Mas, a sua persistência leva-o mais longe. Quer agora fazer o ensino secundário. Mas nas Flores ainda não existia esse nível de ensino. Assim, matricula-se na Escola Secundária da Horta, na ilha do Faial, como aluno externo. Escolhe um curso da área de letras, Humanidades ou Humanísticas. Solicita o Programa do Curso à Escola onde se matriculou. Encomenda os livros. Estuda sozinho. Partilha o tempo pelas três profissões.
Entretanto, o ambiente de trabalho degrada-se, perturbando os estudos, que hão-de ficar em gestação. Dá-se a transferência de local de trabalho da ilha das Flores para o Porto, Norte de Portugal. É preciso um tempo para a adaptação à nova vida, trabalho de maior responsabilidade, exigência e rigor técnico, novos hábitos, novas rotinas, novos costumes, novas tradições, novas mentalidades e um clima de maiores amplitudes térmicas, isto para não falar do vocabulário que aqui se usa, que raia o boçal (grosseiro) geralmente usado por pessoas de baixo nível cultural e educacional. Passada essa fase, eis que um dia, ele volta a pensar nos estudos. Inscreve-se numa Escola Secundária, e volta aos estudos, sempre a trabalhar, agora em horário rotativo 24/24 horas. Faz turnos, ora diurnos, ora nocturnos. As aulas, essas são sempre à noite. Nos primeiros dois anos (10º/11º) tem-nas das sete da noite até à meia-noite, no 12º ano, das sete da noite às 11. Conclui com sucesso o Curso de Ciências Sociais e Humanas com média de 15 valores. Mas embora não necessite submete-se a exame nacional para acesso ao ensino superior e obtém nota de 11,5 valores. Agora está apto a entrar na Faculdade. Contudo, isso ficaria para mais tarde, pois tem fazer face às propinas da filha, que está, nessa altura, a fazer uma licenciatura.
Todavia, com o decorrer do tempo, dá-se novas mudanças na sua vida. A empresa onde trabalha faz uma reestruturação no seu sector e "convida/empurra" os trabalhadores para uma "revogação de contrato de trabalho por mútuo acordo", mediante uma compensação monetária. Ele aceita. É uma nova fase da sua vida! Espera-o o desemprego (situação precária), com todas as consequências daí resultantes. Aguarda a idade necessária para requerer a pré-reforma, que só acontecerá aos 57 anos. E os estudos? Bem os estudos estão, no momento em que esta crónica está a ser escrita, estão em suspenso.
Pelo meio disto, reinicia os seus estudos. Trabalha de dia e estuda à noite. Entretanto, compra um táxi, com o qual trabalha nas horas extra profissão. Ou seja, tem três profissões ao mesmo tempo: é bombeiro profissional de aeroporto, é taxista e é estudante. O esforço vale a pena! Concluiu o antigo 9º. ano de escolaridade. Mas, a sua persistência leva-o mais longe. Quer agora fazer o ensino secundário. Mas nas Flores ainda não existia esse nível de ensino. Assim, matricula-se na Escola Secundária da Horta, na ilha do Faial, como aluno externo. Escolhe um curso da área de letras, Humanidades ou Humanísticas. Solicita o Programa do Curso à Escola onde se matriculou. Encomenda os livros. Estuda sozinho. Partilha o tempo pelas três profissões.
Entretanto, o ambiente de trabalho degrada-se, perturbando os estudos, que hão-de ficar em gestação. Dá-se a transferência de local de trabalho da ilha das Flores para o Porto, Norte de Portugal. É preciso um tempo para a adaptação à nova vida, trabalho de maior responsabilidade, exigência e rigor técnico, novos hábitos, novas rotinas, novos costumes, novas tradições, novas mentalidades e um clima de maiores amplitudes térmicas, isto para não falar do vocabulário que aqui se usa, que raia o boçal (grosseiro) geralmente usado por pessoas de baixo nível cultural e educacional. Passada essa fase, eis que um dia, ele volta a pensar nos estudos. Inscreve-se numa Escola Secundária, e volta aos estudos, sempre a trabalhar, agora em horário rotativo 24/24 horas. Faz turnos, ora diurnos, ora nocturnos. As aulas, essas são sempre à noite. Nos primeiros dois anos (10º/11º) tem-nas das sete da noite até à meia-noite, no 12º ano, das sete da noite às 11. Conclui com sucesso o Curso de Ciências Sociais e Humanas com média de 15 valores. Mas embora não necessite submete-se a exame nacional para acesso ao ensino superior e obtém nota de 11,5 valores. Agora está apto a entrar na Faculdade. Contudo, isso ficaria para mais tarde, pois tem fazer face às propinas da filha, que está, nessa altura, a fazer uma licenciatura.
Todavia, com o decorrer do tempo, dá-se novas mudanças na sua vida. A empresa onde trabalha faz uma reestruturação no seu sector e "convida/empurra" os trabalhadores para uma "revogação de contrato de trabalho por mútuo acordo", mediante uma compensação monetária. Ele aceita. É uma nova fase da sua vida! Espera-o o desemprego (situação precária), com todas as consequências daí resultantes. Aguarda a idade necessária para requerer a pré-reforma, que só acontecerá aos 57 anos. E os estudos? Bem os estudos estão, no momento em que esta crónica está a ser escrita, estão em suspenso.
Sem comentários:
Enviar um comentário