segunda-feira, 8 de março de 2010
Uma Criança no Mundo do Trabalho - I
Tinha onze anos de idade e acabara de concluir a antiga quarta classe do ensino primário quando entrou para o mundo do trabalho. Era uma criança igual a tantas outras da sua idade, e foi lançado assim num mundo desconhecido. A jornada de trabalho era longa, das oito horas da manhã até às oito da noite, quase sempre. De casa ao trabalho havia três quilómetros que eram feitos a pé e descalço (nos primeiros anos), e se chegasse ao trabalho com a roupa molhada, esta enxugava no próprio corpo ao longo do dia de trabalho. Se levantar cedo para ir trabalhar era difícil, o regresso a casa não era melhor, sobretudo no Inverno, pois os Invernos de outrora eram bem mais rigorosos que os de agora. Além disso, se chovia e trovejava, tudo piorava, e, para agravar a situação, não havia iluminação eléctrica se não dentro das vilas. Por isso, ao abandonar o local onde trabalhava, tinha de caminhar às escuras. Nesta idade o medo apoderava-se da frágil mente desta criança, e o caminho inclinado e sinuoso tornava-se num calvário até vislumbrar as primeiras ténues luzes dos candeeiros a petróleo que iluminavam as casas que, espaçadamente, se encontravam ao longo do caminho de regresso a casa. A esperá-lo tinha, muitas vezes - ainda hoje recorda essas noites -, uma tigela com sopas de pão de milho e leite para o jantar. Depois de confortado o estômago, tomava um merecido banho (não, não tinha duche, nem banheira, nem casa de banho, era numa selha de madeira que o fazia - era assim naquele tempo -, e ia para a cama, pois não havia entretenimentos, como hoje: televisão, computadores, consolas de jogos, telemóveis, tablets, etc., e no dia seguinte era preciso levantar cedo, pois tudo começava de novo. O ordenado (salário) eram uns míseros cinco escudos por cada dia de trabalho (dois cêntimos e meio de euro). Trabalhava de segunda-feira a sábado, até às sete ou oito horas da noite, ou seja, de sol a sol. O patrão era um fascista violento e arrogante. Sempre que a criança - e mais tarde o jovem -, fizesse algo de errado, aquele agredia-o fisicamente e exercia violência psicológica, colocando-o de castigo num local sem de lá poder sair, pois se o fizesse apanhava mais, proferindo-lhe insultos de forma veemente. Desses maus tratos, ficou-lhe não a recordação da dor física, mas sim, um trauma por ter sido ofendido na sua dignidade como pessoa. Na década de 60 e até à segunda metade da década de 70 não havia leis que protegessem os trabalhadores! Não havia o direito a férias nem subsídio de férias, como há hoje em Portugal. O trabalho que esta criança escravizada desenvolveu ao longo de quase uma década, foi num comércio, chamado de mercearia. Ainda não havia salários mínimos. Estávamos no tempo da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), da Ditadura de Marcello Caetano - que apostou na continuidade, um seguidor de Salazar, outro ditador. Se fosse necessário fazer um inventário (balanço), era obrigado a trabalhar dia e noite, sem nada ganhar de suplementar. O martírio só acabou aos vinte anos de idade, quando o jovem foi chamado a cumprir o serviço militar então obrigatório. Sim, foi na tropa que aprendeu que era gente, que tinha direitos e foi respeitado. A disciplina militar, apesar de rígida, quase foi branda comparada com o seu passado traumatizante. Filho primogénito de quatro irmãos, de uma família modesta de agricultores, não lhe restou outra alternativa se não ir trabalhar - embora o seu desejo não fosse esse, mas sim continuar os seus estudos - o que fará muito mais tarde -, para ajudar ao orçamento familiar. Nessa altura (já) os trabalhos eram escassos, assim, não se podiam escolher, por isso, este era um sacrifício necessário. A história deste jovem não é ficção, trata-se de um caso real, e é um retrato fiel e encurtado, daquilo que foi a infância e juventude deste jovem, hoje homem, dos dez aos vinte anos de idade).
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