sábado, 15 de dezembro de 2012

As prendas do Menino Jesus do meu tempo


 
Lá fora a chuva quase não dá tréguas. O Inverno mal acabou de chegar. Os beirais da casa choram copiosamente numa sintonia digna de um grande maestro, só se desviando a cada rajada de vento que os faz ondular ora para um lado, ora para o outro. A grota vai aumentando de volume, porque o ruído desenfreado do líquido a abrir caminho em direcção à água-mãe tem pressa. Pela pequena vidraça embaciada das janelinhas vejo os bardos que se agitam, se dobram e redobram num desespero incessante. Na amassaria da cozinha, uma luz amarelo-doirada do candeeiro a petróleo requebra-se a cada sopro de vento que desce pela chaminé abaixo. O forno está aceso, o brasido resplandece num tom púrpura, e lá dentro, no tecto, a cor encarnada indica-nos que está quase no ponto de rapar o brasido cá para a  porta, para então a mãe pôr o pão de milho a cozer. É claro que ela teve primeiro que preparar a massa, amassá-la e deixá-la levedar, para então ser tendida antes de ir para o forno. Num instante, um enorme clarão invadiu toda a casa, que ao mesmo tempo estremeceu com o ribombar do trovão; até parece que o céu vai desabar sobre as nossas cabeças, por isso, a mãe apressa-se a apelar à misericórdia de Deus. Já há dias que nós fizemos o pedido das nossas ofertas ao Menino Jesus, deixando uns papelinhos debaixo das nossas almofadas para que Ele os viesse buscar durante a noite. Ah, esqueci-me de dizer-vos que hoje é véspera de Natal, por isso nós, miúdos estamos muito agitados para recebermos as nossas ofertas; sim, agora ainda são ofertas, porque isso de prendas há-de chamar-se só mais lá para diante. E o presépio, ainda não falei dele! Pois, o presépio já está feito há uma semana. Como não podia deixar de ser, fomos apanhar o musgo e as leivas para lhe dar um tom mais verdinho. Também não faltaram as figurinhas pequeninas em barro: o Menino Jesus, a Virgem Maria, São José, os Reis Magos, o burrinho, a vaca e as ovelhas (parece que daqui a alguns anos o Papa Bento XVI vai dizer num livro, sobre a “Infância de Jesus”, que no Evangelho "não se fala de animais no lugar onde Jesus nasceu", mas como bom pai, ainda vai tolerando que os animais façam parte do nosso presépio este ano). Mas vamos ao que nos interessa, que são as nossas ofertas. Afinal quando é que o Menino Jesus chega – perguntámos à nossa mãe - e vocês estão a perguntar, porque é que é o Menino Jesus e não o Pai Natal? A resposta é simples: isso é uma modernice que vocês adultos copiaram dos americanos e que há-de vir daqui a alguns anos! Então, ela mesmo ocupada com o pôr o pão no forno, aconselha-nos que nos deitemos, porque Ele só virá depois da meia-noite. Assim foi. Mas quase que não conseguimos adormecer; a sonhar acordados com as nossas ofertas. Apesar disso, lá adormecemos pelo meio dos alvos e gélidos lençóis de algodão. Passado pouco tempo, a mãe veio acordar-nos. O Menino Jesus já tinha vindo, e debaixo de cada uma das nossas almofadas havia um pacotinho de papel pardo com figos passados e um chocolatinho da marca Regina. Lá ficámos num frenesim, a dar dentadinhas pequeninas no chocolatinho, para que ele durasse muito tempo, e fomos comendo os figos passados, que sempre são pouco mais de meia dúzia. E daqui a pouco vamos voltar a adormecer, mesmo que as ofertas não tenham sido aquelas que tínhamos pedido ao Menino Jesus. É que o nosso Menino Jesus é pobre, por isso não nos pôde dar aquilo que  queríamos.

Base Francesa nas Flores

     Foi com imenso gosto e até alguma nostalgia que assisti à visualização dos vídeos "Opération Hortensia" na Biblioteca Pública...